domingo, 1 de maio de 2011

ESCRAVOS DO CAPITALISMO OU VÍTIMAS DO COSUMISMO EXAGERADO?



O sujeito sai da posição de “consumidor” á objeto consumido.



Diante do mal-estar do capitalismo nos deparamos com sujeitos desbussolados de valores importantes do ser. O ter passou existir como valor de principio fundamental, o incentivo ao consumo é crescente, e a valorização do modismo, do corpo perfeito, dos bens materiais e das relações baseadas em interesses tornaram-se atitudes rotineiras em nossa sociedade.

O externo é algo primordial! O dinheiro compra tudo ou quase tudo, e quanto mais se compra mais se quer, e isso vai se tornando em um caminho que não leva o ser humano a lugar nenhum, somente a um mundo supérfluo. É comum estar diante de pessoas que só se sentem bem e a vontade se estão vestidas com roupas de marcas famosas e caras, pessoas que medem o caráter alheio pelo que vestem ou pelo patrimônio e posição social que possuem. Uma verdadeira cultuação a futilidade. As conversas se resumem as novidades de determinadas marcas e ao consumo exagerado destas. Mesmo quem não possui renda suficiente para comprar uma bolsa “Prada”, por exemplo, se endivida para não pagar feio diante de suas relações sociais.

Foi-se o tempo no qual o ser era um elemento positivo nas relações sociais, onde buscavam-se o caráter, a sensibilidade, a simplicidade, a humildade, o afeto, a amizade sincera... Agora o ser tornou-se sinônimo de algo retrô. A concepção de felicidade está cada vez mais associada ao consumo excessivo para justificar os motivos da existência humana, fato que tem levado a sociedade a adotar padrões de exclusão valorizando o ''ter'' e não o ''ser''.

O jornalista da Rede Globo Arnaldo Jabor disse em uma de suas crônicas '' O dinheiro compra olhos azuis, corpos ideais e as mulheres dos nossos sonhos, mas quando tudo isso falha ele paga a terapia''. É evidente que as coisas têm o valor que atribuímos a elas, contudo somos medidos pelo carro e pelo tênis que possuímos.

Não é errado comprar e usar marcas, não há nenhum conservadorismo no tocante a este assunto, pelo contrário, é muito bom comprar, é muito bom vender e usufruir daquilo que se deseja, ou seja, participar das coisas boas que a vida oferecer. Mas precisamos entender que devemos gastar só o que ganhamos, jamais gastar mais, e valorizar a si mesmo e aos outros pelo que são e não pelo que possuem de bens.

É claro que para se conseguir alguma qualidade de vida, é necessário ter um mínimo de posses, tais como: moradia, alimento, vestuário, educação, saúde, lazer, e alguma garantia de suprimento dessas necessidades básicas. Mas a valorização do ter em excesso e principalmente os apegos aos objetos de posse obstrui o ser e causa infelicidade. O ter pode causar prazer momentâneo, porém, esse prazer logo se transforma em tédio, saturação e embotamento. A ânsia de ter é tão forte que até mesmo nossos sentimentos subjetivos deixam de ser uma ação saudável para se tornarem uma ação de posse.

“No final, o possuído se transforma em possuidor, e o homem, escravo daquilo que possui.”

O consumismo exagerado pode ser um alerta de que algo não está bem. O consumo exagerado, a ganância pelo ter esmaga a estabilidade emocional, gera tensão e prazeres superficiais detonando o ser. Comprar exageradamente pode ser uma forma patológica de aplacar angústias.

Há pessoas que sofrem de compulsão consumista e experimenta uma forte ansiedade que só é aliviada quando fazem compras. Elas não conseguem controlar o desejo intrusivo e repetitivo. O ato é imediatamente seguido por intenso sentimento de alívio. Em situações de impossibilidade de comprar podem aparecer sintomas como irritação, sudorese, ta­quicardia, tremor e sensação de desmaio iminente. Numa atitude compensatória, o mal-estar causado pela culpa leva a pessoa a comprar novamente, dando continuidade ao círculo vicioso, o comportamento compulsivo pode servir como meio de descarga para sanar angústias, raiva, ansiedade, té­dio e pensamentos de desvalorização pessoal. Este é sem dúvida um sinal patológico nomeado como Aneomania.

Saindo um pouco do viés psicopatológico e indo para um olhar psicanalítico vemos que Lacan tratou a questão do consumo, destacando três pontos: o consumo articulado com a ética, em seguida ao campo pulsional, especialmente ao objeto oral e às fantasias de devoração, e, finalmente, ao discurso do capitalista. As instâncias inconscientes dão ar de sua graça das seguintes formas: as caixas registradoras são as cifragens do gozo que proporciona uma satisfação que não pede nada a ninguém, A pulsão busca cada vez algo que responde no Outro, e o útil, o gozo no discurso do capitalista.

“Em 1972, no Seminário 20 – Mais, ainda, Lacan ([1972-1973] 1982) diz ter encontrado no campo jurídico um termo que reúne em uma palavra a diferença entre o útil e o gozo, indicada no Seminário 7 – A ética da psicanálise ([Lacan, 1959-1960] 1988). O usufruto quer dizer que podemos gozar de nossos meios, mas não devemos enxovalhá-los. Pode-se, pois, usufruir de uma herança, com a condição de não usá-la demais. Nesse sentido, em face ao útil, o gozo é aquilo que não serve para nada e o modo de reparti-lo, de distribuí-lo, faz a essência do Direito. Todavia, continua, se há um direito-ao-gozo, ele não é um dever. Nada força ninguém a gozar, senão o supereu. O supereu é o imperativo do gozo – Goza!”

(Márcia Rosa, p.166, 2010).

Fonte: Jacques Lacan e a clínica do consumo- Psic. Clin., Rio de Janeiro, vol.22, n.1, p.157 – 171.

Enfim, sem titubear podemos afirmar quer seja inconsciente ou consciente, a valorização do ter e do consumo exagerado precisa de uma conscientização por parte do sujeito, ele precisa se responsabilizar e sair desse lugar de consumir-a-dor para assumir-a-dor e sumir-com-a-dor, e dessa forma, procurar a ajuda de um olhar especializado... Acompanhamento psicológico, psicanalítico ou psiquiátrico.

Quantas pessoas ricas já não tiraram suas vidas porque lhes faltava aquilo que riqueza material nenhuma pode comprar: o amor, o perdão, o respeito, a amizade, o carinho e etc.?

Não podemos deixar de enfatizar que há comportamentos de valorização do ter que são desvios de caráter e que nada tem haver com patologias....

“Ao que me parece, todos os caminhos levam ao divã, qualquer que seja ele.”



Rosemary Silva Alves