quinta-feira, 7 de abril de 2011

O MORRO BOM JESUS E SUAS SIGNIFICAÇÕES!

Há dois anos recebi um dos maiores presentes em minha vida profissional. Ganhei o privilégio de fazer estágio em Psicologia social na comunidade do Morro Bom Jesus, no município de Caruaru-PE. O Morro Bom Jesus, conhecido também como Morro do Socorro, está situado a 630 metros de altura, ponto mais alto da cidade, lugar com uma vista panorâmica maravilhosa. Existe a possibilidade de subir ao monte a pé através de uma escadaria decorada com as estações da Via Sacra, pela rampa de automóvel ou através das diversas escadarias que circundam o morro.
Nunca parei para pensar as significações que o Lugar Morro Bom Jesus representa ou representou em minha vida. Revisitando minhas lembranças consegui resgatar várias histórias... Meu Deus! Surgiram tão boas histórias!
Eu me dei conta que em quase 90% dos lugares dos quais eu morei aqui em Caruaru, me permitiam uma visão muito boa do Morro. Também me dei conta que tive grandes amizades que residiam por lá. Desde que cheguei de São Paulo com meus pais já morei em alguns bairros aqui em Caruaru. Sou paulista de Nascimento e Pernambucana de corpo, alma e coração. Em Caruaru, morei nos Bairros do Salgado, Riachão, COHAB III (Rendeiras), Maurício de Nassau, Divinópolis, e hoje resido no Bairro Bom Vista I. Da porta da minha casa vejo o Morro bem próximo de mim.
Estudei até a 5º série na Escola Dom Vital, e grande parte de meus colegas de sala moravam na antiga rua do lixo (hoje Bairro Centenário) e nas vielas do Morro. Subi as escadarias muitas vezes para brincar com minhas amigas, para estudar e fazer os trabalhos de escola, ou simplesmente para jogar conversa fora. Lembro-me que nesta época circulávamos dentro da comunidade sem receios da criminalidade, época que deixa muitas saudades!
Também vieram em minhas lembranças duas paixões pré-adolescentes vividas aos “pés” do Morro, paixões infantis e inocentes é claro! Subi muitas vezes as escadarias do Morro para pagar promessas que não eram minhas (Risos). Minhas amigas costumavam fazer promessas aos Santos, e me colocavam para pagá-las junto com elas, nessa história perdi as contas de quantas vezes fui ao topo do Monte Bom Jesus. Eu amava contemplar a cidade lá do alto, que visão! Que lugar inspirador!
Enfim, são muitas lembranças surgindo, agora preciso filtrá-las para que este texto não se torne em um livro de recordações...
Passei muitos anos sem visitar ao Morro, fui morar no Rio de Janeiro e quando retornei perdi o contato com minhas amizades que lá residiam. Passaram-se cerca de 17 anos até eu retornar a comunidade, desta vez voltei como uma mulher adulta e profissional, percebi as mudanças reais na comunidade. O descaso das autoridades para com o Morro era e é visível, o preconceito sofrido pelos moradores do bairro ainda é gritante.  Parece que morar no Monte virou sinônimo de ser traficante, assassino, ladrão e marginal? Respondo que não! Nestes dois anos de trabalho no morro tive verdadeiros anjos da Guarda (Nino e Márcio), e nunca presenciei cenas de violência, e nem muito menos fui recebida com desdenho ou desrespeito.
Trabalhei com os Meninos do Consciência Nordestina e do Grupo Astúcia, também visitei famílias, escolas, as escadas, a escadaria, a ladeira, as ladeiras, os becos, as vielas, o centro cultural, as praças e etc...  Foi um sobe e desce daqueles! Digo que todos estes lugares dos quais frequentei, haviam pessoas que demonstraram integridade e imensa humildade. Pessoas que abriram as portas de suas residências sem exigir nada de nós estagiários. Foram receptivos, parceiros.
Vejo por parte de algumas entidades e de pessoas “gabaritadas” certo receio em visitar, e até passar pelo meio do bairro de carro, como se a comunidade estivesse contaminada por alguma moléstia... Quanta ignorância! Um dia alguém me fez a seguinte pergunta? Que Garantias terei que não serei assaltado ao entrar no bairro com você? E eu respondi: “A mesma que você tem ao sair de sua casa todos os dias ao circular pelas ruas do seu Bairro. Você tem alguma?” E ele me disse: Não! Não quero dizer com isto, que o Morro é o Paraíso e que não existem problemas, ao contrário, existem vários!!! Mas não será ignorando-o, fugindo dele, ou fingindo sua inexistência que podemos ajudá-lo a ser o nosso eterno cartão postal. Até por que não temos como escondê-lo debaixo do tapete, pois sua localização não permite, para onde nos direcionarmos ele estará lá, bem no meio da cidade.
O Morro não é o lugar do morrer, ou do eu Morro. É um Lugar de significações, de construções norteadoras, de vida, muita vida, lugar de tecer redes e relações. Lugar de pessoas capazes e carentes de políticas sociais, políticas de segurança que respeitem os cidadãos e os direitos humanos dos que ali residem, políticas de saúde. A priori políticas públicas em todos os sentidos. As crianças, os jovens, os idosos, os homens e as mulheres do Morro, precisam de um olhar que não os descriminem. Precisam que lhes ensinem a pescar e não lhe dêem os peixes.  O povo do Morro precisa de ajuda, e não de esmola ou favor!
Estou me despedido do trabalho no Morro com muita emoção e saudade. Saio para que outros possam ter a oportunidade de estarem contribuindo de alguma forma com um olhar diferenciado. Agradeço a cada um que me acolheu, que me ouviu, e com os quais adquirir bastante conhecimento e aprendizado. Trago comigo uma bagagem vivencial e prática que me proporciona bastante crescimento e enorme experiência para o resto de minha vida.
Obrigado BOM JESUS pelo Morro que me deste!

Rosemary Silva Alves